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Doenças e pragas do marmeleiro

Daria · 31.03.2025.

O cultivo do marmeleiro, apesar de ser uma atividade gratificante, não está isento de desafios, sendo um dos principais a gestão de doenças e pragas que podem comprometer a saúde da árvore e a qualidade da colheita. Um conhecimento aprofundado dos principais inimigos do marmeleiro é o primeiro passo para estabelecer uma estratégia de proteção eficaz. A monitorização constante do pomar, a identificação correta dos sintomas e a compreensão do ciclo de vida dos agentes patogénicos e das pragas são fundamentais para tomar decisões informadas e atempadas. A adoção de uma abordagem de proteção integrada, que privilegia as medidas preventivas e o uso criterioso de tratamentos, é a forma mais sustentável de garantir a produção de marmelos saudáveis e de alta qualidade, minimizando ao mesmo tempo o impacto ambiental.

A prevenção é, sem dúvida, a ferramenta mais poderosa na luta contra doenças e pragas. A escolha de variedades mais resistentes, a plantação em locais adequados com boa exposição solar e circulação de ar, e a manutenção de um solo saudável e bem drenado são medidas profiláticas essenciais. Práticas culturais como a poda de inverno, que remove madeira morta ou doente e abre a copa para a luz e o ar, e a remoção e destruição de frutos mumificados e folhas caídas, que servem de refúgio para muitos patógenos durante o inverno, são cruciais para reduzir o inóculo inicial e diminuir a pressão de doenças na primavera seguinte.

Entre as doenças que mais afetam o marmeleiro, destacam-se as de origem fúngica e bacteriana. A moniliose, que causa a podridão dos frutos, e o oídio, que cobre folhas e rebentos com um pó branco, são doenças fúngicas comuns que prosperam em condições de humidade. No entanto, a doença mais temida é o fogo-bacteriano, uma infeção bacteriana devastadora que pode levar à morte rápida de partes da árvore ou mesmo da planta inteira. A identificação precoce dos seus sintomas característicos, como o aspeto de “queimado” dos tecidos, é vital para uma intervenção imediata.

No que diz respeito às pragas, o bichado-da-fruta (Cydia pomonella) representa uma ameaça significativa, com as suas larvas a perfurarem os frutos e a torná-los imprestáveis. Afídeos (pulgões) podem também atacar os rebentos jovens, sugando a seiva e enfraquecendo a planta. A gestão destas pragas envolve a monitorização das suas populações, através de armadilhas, e a intervenção no momento certo, utilizando métodos de luta biológica, como a libertação de inimigos naturais, ou tratamentos fitofarmacêuticos seletivos, quando os níveis de infestação o justificam.

Principais doenças fúngicas

As doenças fúngicas constituem uma ameaça constante para o marmeleiro, especialmente em anos com primaveras húmidas e temperadas. A moniliose (Monilinia fructigena) é uma das mais destrutivas, afetando principalmente os frutos. A infeção ocorre frequentemente através de feridas na epiderme do fruto, como as causadas por granizo, picadas de insetos ou fissuras. O fungo causa uma podridão castanha que se espalha rapidamente, cobrindo o fruto com círculos concêntricos de pústulas de cor creme. Os frutos infetados acabam por enrugar e mumificar, permanecendo muitas vezes presos aos ramos, servindo como uma importante fonte de inóculo para o ano seguinte. O controlo passa pela remoção rigorosa destes frutos mumificados durante o inverno e por tratamentos fungicidas preventivos na primavera.

Outra doença fúngica relevante é a entomosporiose ou mancha-foliar (Entomosporium maculatum). Esta doença manifesta-se através do aparecimento de pequenas manchas circulares, de cor avermelhada a acastanhada, nas folhas, pecíolos e, por vezes, nos frutos. Em ataques severos, as manchas podem coalescer, levando a uma desfoliação prematura da árvore. Esta perda de folhas enfraquece a planta, afeta o calibre dos frutos e pode comprometer a produção do ano seguinte. A doença é favorecida por tempo chuvoso e húmido. Medidas preventivas, como a poda para melhorar a aeração da copa e a aplicação de fungicidas à base de cobre no outono e início da primavera, ajudam a controlar a sua incidência.

O oídio (Podosphaera leucotricha) pode também afetar o marmeleiro, embora seja geralmente menos severo do que em outras pomóideas como a macieira. O fungo desenvolve-se à superfície dos tecidos vegetais, cobrindo folhas, rebentos e, por vezes, frutos jovens, com um revestimento pulverulento de cor branca acinzentada. Os tecidos atacados podem ficar deformados e o seu crescimento é inibido. O oídio prospera em condições de tempo quente e húmido, mas, ao contrário de muitos outros fungos, não necessita de água líquida na superfície da folha para germinar. O controlo pode ser feito com a aplicação de enxofre ou outros fungicidas específicos, logo aos primeiros sinais da doença.

A gestão integrada destas doenças fúngicas baseia-se numa combinação de práticas. A já mencionada remoção de fontes de inóculo (frutos mumificados, folhas caídas, ramos doentes) é o passo mais importante. A poda adequada para garantir uma boa ventilação da copa ajuda a que as folhas sequem mais rapidamente, dificultando a germinação dos esporos. A utilização de tratamentos fungicidas deve ser feita de forma preventiva e racional, baseada nas condições climáticas e no histórico de doenças do pomar, alternando substâncias ativas para evitar o desenvolvimento de resistências.

O temido fogo-bacteriano

O fogo-bacteriano, causado pela bactéria Erwinia amylovora, é indiscutivelmente a doença mais grave e destrutiva que pode afetar o marmeleiro e outras plantas da família das rosáceas. A doença tem um poder de disseminação muito rápido, especialmente em condições de tempo quente e húmido durante a floração, e pode levar à morte da árvore em pouco tempo. A bactéria entra na planta através de aberturas naturais, como as flores, ou de feridas causadas por granizo, vento ou ferramentas de poda. Uma vez no interior, multiplica-se rapidamente e desloca-se através do sistema vascular da planta.

Os sintomas do fogo-bacteriano são muito característicos. As flores e os rebentos jovens infetados murcham subitamente, ficam negros ou castanho-escuros, com um aspeto de terem sido queimados pelo fogo, daí o nome da doença. Os ramos infetados apresentam um exsudado bacteriano, um líquido pegajoso de cor leitosa ou amarelada, que é altamente infecioso. As folhas nos ramos afetados permanecem presas, mesmo depois de secas. A infeção pode progredir dos ramos mais jovens para os ramos mais grossos e para o tronco, formando cancros que podem cintar e matar a árvore.

O controlo do fogo-bacteriano é extremamente difícil e baseia-se fundamentalmente na prevenção e na erradicação rápida dos focos de infeção. Não existem tratamentos curativos eficazes uma vez que a infeção está estabelecida. A medida mais importante é a remoção cirúrgica e imediata de todos os ramos que apresentem sintomas. O corte deve ser feito bem abaixo da zona visivelmente infetada, pelo menos 30 a 40 cm em zona de madeira sã. As ferramentas de poda devem ser desinfetadas rigorosamente entre cada corte, utilizando álcool ou uma solução de lixívia, para não propagar a bactéria. Todo o material vegetal removido deve ser queimado ou destruído de imediato.

A prevenção inclui a escolha de variedades menos suscetíveis, embora nenhuma seja completamente imune. A aplicação de produtos à base de cobre durante o período de dormência pode ajudar a reduzir o inóculo bacteriano presente na superfície da árvore. Durante a floração, em períodos de alto risco (tempo quente e chuvoso), podem ser aplicados produtos bactericidas específicos ou agentes de controlo biológico. É crucial evitar a fertilização azotada excessiva, pois esta promove um crescimento vigoroso e tenro, que é muito mais suscetível à infeção.

Pragas comuns do marmeleiro

Entre as pragas que atacam o marmeleiro, o bichado-da-fruta (Cydia pomonella) é uma das mais prejudiciais, causando danos diretos nos frutos. A praga corresponde a uma pequena traça cujas larvas, após a eclosão, penetram no marmelo e escavam galerias até ao centro para se alimentarem das sementes. Os frutos atacados apresentam um orifício de entrada, muitas vezes com um “serrim” de excrementos, e a sua polpa fica danificada, levando ao apodrecimento e à queda prematura. Esta praga tem geralmente duas a três gerações por ano, o que torna o seu controlo um desafio ao longo de toda a estação.

O controlo do bichado-da-fruta requer uma estratégia integrada. A utilização de armadilhas de feromonas sexuais é uma ferramenta essencial, não tanto para a captura em massa, mas para a monitorização do voo dos machos adultos. Esta monitorização permite determinar os picos de voo e, consequentemente, o momento mais oportuno para a aplicação de tratamentos inseticidas, visando as larvas recém-eclodidas antes que estas penetrem no fruto. Outras medidas incluem o ensacamento dos frutos, uma técnica trabalhosa mas eficaz para pequenas produções, e a remoção e destruição de todos os frutos caídos e atacados para quebrar o ciclo de vida da praga.

Os afídeos, ou pulgões, são outra praga comum. Estes pequenos insetos sugadores de seiva colonizam as partes mais tenras da planta, como os rebentos em crescimento e a página inferior das folhas novas. A sua alimentação provoca o enrolamento e a deformação das folhas, enfraquece a planta e pode levar à transmissão de viroses. Além disso, os afídeos excretam uma substância açucarada e pegajosa, a melada, sobre a qual se pode desenvolver um fungo negro, a fumagina, que dificulta a fotossíntese.

Felizmente, os afídeos têm muitos inimigos naturais, como as joaninhas, as crisopas e as sirfídeas. Fomentar a presença destes auxiliares no pomar, através da instalação de sebes diversificadas e da redução do uso de inseticidas de largo espectro, é a melhor estratégia de controlo a longo prazo. Em caso de ataques severos, podem ser utilizados inseticidas seletivos ou produtos como o sabão de potássio ou o óleo de neem, que têm um menor impacto sobre a fauna auxiliar. A monitorização regular no início da primavera permite detetar as primeiras colónias e agir antes que a infestação se generalize.

Estratégias de proteção integrada

A Proteção Integrada de Culturas (PIC) é uma filosofia de gestão de pragas e doenças que visa utilizar todos os métodos de controlo disponíveis de forma harmoniosa e sustentável. O objetivo não é a erradicação total dos organismos nocivos, mas sim a manutenção das suas populações abaixo do nível económico de dano, ou seja, abaixo do ponto em que os prejuízos causados justificam o custo de um tratamento. Esta abordagem reduz a dependência de pesticidas sintéticos, protege o ambiente e a biodiversidade, e aumenta a segurança do produtor e do consumidor.

A base da PIC é a prevenção. Como já referido, a escolha de um local adequado, de variedades resistentes, a promoção da saúde do solo e a aplicação de práticas culturais corretas (poda, rega, fertilização) criam uma árvore mais forte e menos suscetível a problemas. A monitorização regular é o pilar seguinte. Utilizar armadilhas, observar atentamente as árvores e conhecer o ciclo de vida dos inimigos da cultura permite tomar decisões baseadas em dados concretos e não em calendários de tratamento fixos.

Quando a monitorização indica que uma intervenção é necessária, a PIC dá preferência aos métodos de controlo com menor impacto. O controlo biológico, através da conservação ou libertação de inimigos naturais das pragas, é uma ferramenta poderosa. O controlo biotécnico, como o uso de feromonas para confusão sexual do bichado-da-fruta, impede o acasalamento e reduz a população da praga sem o uso de inseticidas. Métodos físicos, como o ensacamento de frutos ou a remoção manual de partes doentes, também se enquadram nesta filosofia.

O uso de produtos fitofarmacêuticos é considerado o último recurso. Quando a sua aplicação é inevitável, devem ser escolhidos produtos o mais seletivos possível, que afetem o organismo-alvo mas preservem a fauna auxiliar. É fundamental respeitar as doses recomendadas, as épocas de aplicação e os intervalos de segurança antes da colheita. A alternância de substâncias ativas com diferentes modos de ação é também crucial para prevenir o aparecimento de resistências por parte das pragas e doenças. Desta forma, a proteção integrada permite uma gestão eficaz e responsável dos desafios fitossanitários no cultivo do marmeleiro.

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